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QUANDO DEUS NOS FECHA A PORTA...

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Ano de 1974, Revolução dos Cravos, Faculdade de Direito de Lisboa.

As aulas, em período pós-laboral, para os estudantes-trabalhadores, estão aprovadas.

Mas a Faculdade vive, com entusiasmo e fervor, o ambiente pós-revolucionário.

O MRPP, dirigido pelo jovem Durão Barroso, luta encarniçadamente pelo controlo da Escola.

O MIRN, encabeçado pelo jovem Santana Lopes, quer ser ele a mandar.

A UEC, sob a égide do Partido Comunista Português, desenvolve intensas diligências com o mesmo claro objectivo.

Os Catedráticos, apelidados de “fascistas” pelos estudantes “revolucionários”, foram saneados ou, pura e simplesmente, abalaram porta fora.

As aulas de Direito foram, em grande parte, substituídas por inúmeras RGAs, Reuniões Gerais de Alunos, que se prolongam noite fora.

O combativo Durão Barroso, mais tarde Presidente da Comissão Europeia, assume a presidência das reuniões, maximizando os seus naturais dotes de bom tribuno.

O generoso Santana Lopes (mais tarde Presidente de Câmara), geralmente de pé entre os alunos, assume clara oposição, situando-se à direita do espectro político.

Mais tarde, Barroso e Lopes tornam-se grandes amigos e filiam-se ambos no PPD/PSD.

Os estudantes comunistas tentam, por muitos meios, contrariar estes novíssimos movimentos.

Assisti, divertido e interessado, a várias destas reuniões gerais de alunos.

Noutras ocasiões, ia para a sala de leitura e ocupava o tempo no estudo das “sebentas”.

A páginas tantas, fartei-me de tudo aquilo e, em lugar de ir às aulas  - que eram raras e tumultuosas – decidi ficar em casa.

Regressei no ano lectivo de 1975, pois observei que, no entretanto, os “ânimos” haviam serenado.

Por outras palavras, o MRPP assumira o controlo da Faculdade de Direito.

Os docentes eram, nalguns casos, Juristas vindos de Coimbra; noutros casos, Advogados ilustres que se ofereceram para o ensino; finalmente, havia “assistentes” recrutados de entre os militantes do MRPP, um dos quais, se não erro, era ainda estudante de liceu.

A par do ensino do Direito dito “reacionário”, havia também o “ensino” do marxismo-leninismo, com leitura obrigatória de Pachukanis e de outros teóricos marxistas.

Na disciplina do Direito Penal, estudava-se apenas a “teoria finalista”,  com a consequente rejeição dos teóricos ditos “burgueses”.

A pouco e pouco, a Faculdade foi, porém,  voltando ao seu “funcionamento normal”.

Passado o período das “passagens administrativas”, os novos Docentes foram-se tornando cada vez mais exigentes.

O sistema de “avaliação contínua” deixou de ser a única forma de apurar o grau de aprendizagem dos alunos e regressaram os exames formais.

Muito boa gente, habituada ao “facilitismo” implantado pelo MRPP, desistiu.

Alguns, porém, confrontados com os Professores mais exigentes do período pós-laboral, optavam por fazer os seus exames junto dos Docentes do período diurno, aparentemente mais permissivos.

Recordo-me de ser particularmente difícil concluir a cadeira de Direito Administrativo com o Dr. Esteves de Oliveira, docente vindo da Faculdade de Coimbra, competente e exigente.

Rapidamente os Estudantes encontraram saída para o problema:

- Eh pá, vou fazer isto com o Marcelo! – desabafavam.

Dizia-se, na altura, que o Dr. Marcelo, Assistente no período diurno, “passava” os Alunos com mais facilidade.

O Dr. Marcelo, mais tarde Professor Catedrático, notável jornalista, haveria de ser eleito, mais tarde e  não obstante estar aposentado da função pública, Presidente da República.

Regressando à minha pessoa, eu lá fui fazendo as cadeiras do Curso de Direito, comparecendo pontualmente às aulas no período pós-laboral, apresentando regularmente os “trabalhos” feitos no seio do “grupo” constituído “ad hoc” e submetendo-me aos exames regulamentares.

A propósito, talvez seja interessante relevar esta pequena curiosidade:

Estando eu a frequentar o 5.º e último ano da licenciatura, aproximou-se de mim um Colega e confidenciou-me que o Dr. Esteves de Oliveira lhe pedira que me contactasse e me apresentasse o convite dele para desempenhar as funções de Monitor.

Reflecti, mais tarde aceitei e, pouco depois, lá estava eu a dar aulas práticas de Direito Administrativo a duas turmas do 4.º ano de Direito, também no período pós-laboral.

E por lá estive durante dois anos lectivos, sem grandes preocupações com a remuneração devida.

- Bentinho, você está aqui a dar aulas e não lhe pagam! – disseram-me um dia os alunos, no decurso de uma aula nocturna.

- Não tem importância, eu gosto disto! – foi a minha resposta.

Completou-se o ano lectivo, estava eu a integrar o Júri nas provas orais finais, disseram-me para ir à Secretaria da Escola, quando aquilo acabasse.

Naturalmente fui e, para surpresa minha, tinham lá, para me entregar, um cheque de 50.000$00, equivalente à remuneração de todo aquele ano lectivo.

No entretanto, iniciei o estágio na Ordem dos Advogados e, com o trabalho diário na Caixa Geral de Depósitos, não me sobrava tempo para continuar a preparar e a ministrar as aulas de Direito Administrativo.

Mas este período de docência na Faculdade de Direito abriu-me, sem eu o esperar, o mercado jurídico em Direito Administrativo.

Nunca me faltaram Clientes, nem trabalho remunerado.

Quando Deus nos fecha uma “porta”, abre-nos um “portão”.

Louvado seja Deus!

António Bentinho, Advogado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

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Cidade de Penafiel, ano de 1972, local de trabalho: Caixa Geral de Depósitos.

Toda a gente gosta de nós e as tarefas diárias não são repetitivas.

Mas urge colmatar esta lacuna que me vem perturbando.

Faço uma preparação breve e venho a Lisboa.

Apresento-me no exame de admissão à Faculdade de Direito, ao abrigo do regime em boa hora criado pela reforma do ilustre professor Veiga Simão.

Submeto-me às provas de Filosofia, Cultura Geral e Latim.

A prova de Latim safa-me.

Volto, mais tarde, à prova oral.

O Júri é composto por três doutos lentes, dois da própria Faculdade e um deles emprestado pela Faculdade de Letras.

- Por onde é que tens andado, Bentinho? – pergunta-me o professor doutor frei Joaquim Cerqueira Gonçalves, frade da Ordem Franciscana e docente da Faculdade de Letras de Lisboa.

Sorrio, encolho os ombros e, surpreendido pela inesperada interpelação, não encontro palavras para a resposta.

Minutos mais tarde, veio a resposta, pela voz de uma empregada da Faculdade: passei na prova oral!

Regresso, contentíssimo, a casa dos meus Pais, em Benfica:

- Pai, passei, já entrei na Faculdade de Direito! -exclamo, ao ver o meu pai no corredor.

- Não admira – diz ele. – Sempre foste muito inteligente.

Volto para Penafiel, já com os livros do primeiro ano debaixo dos braços.

É chegada a hora de aproveitar os tempos livres no estudo dos Códigos, das Sebentas e dos Apontamentos de terceiros.

Na época própria, volto de novo a Lisboa e apresento-me na Faculdade de Direito.

Fazem as chamadas e, acto contínuo, vem uma ordem inesperada:

- Os vossos livros ficam todos cá fora! – grita a empregada da Escola.

- Então o que é que eu posso levar? – pergunto de imediato.

- Leve uma caneta ou uma esferográfica. Lá dentro dão-lhe o papel – acrescenta.

- Nada mais?! – volto a perguntar, atónito.

- Nada mais!!! – acrescenta a empregada, desta vez gritando também comigo.

Faço o teste e, sem tempo para esperar pela nota, regresso no mesmo dia a Penafiel.

Mais tarde, um Amigo comunica-me:

- Tiveste positiva.

Suspirei de alívio.

Voltei mais tarde à Faculdade.

À porta, dois “gorilas” vigiam os alunos.

Um dos alunos dá-me um papel.

Paro no amplo átrio da Faculdade a ler o “comunicado dos estudantes”.

Aproxima-se de mim um indivíduo de gabardine clara:

- O que é que tem aí? – pergunta-me, com ar agressivo.

- Tenho este papel que me deram à entrega – respondo.

- Você não sabe que não pode ler isso? – pergunta de novo.

- Não, não sabia! – respondo, sem entusiasmo.

- Dê cá isso! – ordena

Dou-lhe a folha de papel e viro-lhe as costas.

- É um gajo do Pide, sabias? – esclarece um aluno que presenciara a cena.

- Não, pá, não sabia! – respondo, convicto de que estou a fazer figura de parvo.

A Escola estava alvoroçada, pois, dias antes, um agente da Pide havia assassinado, a tiro, um estudante.

Dá-se, no entretanto, a Revolução dos Cravos.

Um amigo de Lisboa telefona-me para Penafiel:

- Bentinho, a Faculdade começou a dar aulas para os Estudantes Trabalhadores, no período pós-laboral.

Vou de imediato a Lisboa e, na sede da CGD, trato de pedir de imediato a minha transferência para Lisboa.

- Há uma vaga na Agência de Benfica, quer? – pergunta-me o colega dos recursos humanos.

- Claro que quero – respondo de imediato.

Arrendo casa na Damaia de Baixo e, sem tardança, começo a frequentar as aulas de Direito.

 

 - Continua no próximo capítulo.

 

António Bentinho, Advogado

 

 

 

AS MINHAS UNIVERSIDADES

 

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Saído do Convento de Varatojo, comecei logo a preparar-me para o acesso á Universidade.

Meu pai, minha mãe e meu irmão Jacinto saíam, manhã cedo, rumo aos respectivos locais de trabalho e regressavam a casa muita vezes noite dentro.

Comecei a sentir-me desconfortável naquela situação, todo o santo dia em casa, agarrado aos livros.

- Pai, quero ir trabalhar! – desabafei um belo dia, quando o meu pai reentrou em casa.

- Muito bem! O que é que queres fazer? – resposta pronta, ditada por muitos anos de experiência.

- Quero ir para um escritório – respondi, expondo-lhe muitas horas de introspecção.

- Sabes escrever á máquina? – adiantou o meu velho, mais uma vez demonstrando o seu elevado nível de experiência.

- Não, não sei – retorqui, um pouco envergonhado.

- Então, se não sabes, vais aprender. Há por aí escolas de dactilografia. Procura-as.

Procurei e, mais por sorte do que por sabedoria, encontrei uma escola perto, em Benfica.

- Vai saber quanto é, que eu pago – disse ele.

Fui logo no dia seguinte, o pagamento foi quase instantâneo e, dias depois, estava sentado frente à máquina de escrever, pronto para o que desse e viesse.

O curso resumia-se a saber teclar com perfeição e aprender a mecânica do instrumento.

O exame resumiu-se a teclar um texto, com um pano por cima do teclado, sem errar.

Tive sucesso no referido exame e passei a teclar com os dedos todos das duas mãos, sem olhar para o teclado.

Mais tarde, quiseram fazer comigo uma aposta em como não conseguia teclar 100 palavras num só minuto.

Ganhei a aposta.

Sabendo teclar perfeitamente na máquina de escrever, iniciei logo as “minhas universidades” (veja-se Maximo Gorki).

Comecei nos escritórios de uma empresa de distribuição de medicamentos, em Lisboa.

Deram-me o lugar de “arquivista”: passava todo o santo dia a reunir, separar e arquivar as montanhas de papelada produzida na empresa: facturas, notas de crédito, notas de débito, recibos, balancetes, balanços, correspondência expedida, correspondência recebida, etc…

A páginas tantas, o frade capuchinho Inácio de Vegas, criador da Difusora Bíblica, convidou-me para trabalhar na editora.

Tratava-se de rever as provas tipográficas, de produzir a correspondência, de efectuar traduções e, de vez em quando, de empacotar os livros e levá-los aos correios.

Aceitei e fiz bem: li e reli, muitas vezes, os Quatro Evangelhos e, pelo menos por duas vezes, li e reli todo o Novo Testamento.

Realizei algumas traduções e, quase no final, preparei um índice para a edição da Bíblia Sagrada.

O Padre Provincial dos Franciscanos convidou-me, também ele, para trabalhar no escritório da Livraria Editorial Franciscana.

Fiz as malas e abalei para o Porto, onde passei o melhor tempo de toda a minha vida: tirei a carta de condução em 1964, comprei um automóvel por 8.500$00 (um Renault Joaninha em muito bom estado) e fartei-me de passear, aos domingos, por tudo o que era sítio, no Porto e arredores.

Mais tarde, concorri para um lugar de ajudante de despachante,  no aeroporto de Lisboa, ao srerviço da Pan American e da Varig: entretinha o período do almoço, sentado nos sofás, a ver entrar e sair os passageiros.

Fui a França visitar a minha irmã Graça e o meu irmão Jacinto e, no regresso, arranjei trabalho em Lisboa, numa empresa importadora de alcatifas e de mosaicos: encarregaram-me de toda a contabilidade e da gestão dos stocks. Ganhava muito bem, entre pessoas amáveis e amigas.

A páginas tantas, observei que a Caixa Geral de Depósitos, entretanto transformada em sociedade anónima, publicara anúncios para a contratação de pessoal.

Candidatei-me, fiz uma preparação sumária, compareci nos testes escritos feitos num liceu de Lisboa, fui aprovado e, alguns meses depois, chamaram-me.

Hesitei, mas pensando na segurança no emprego, apresentei-me ao serviço e fui logo colocado na Rua do Ouro, em Lisboa.

Era gente simpática, divertida e solidária,  mas as tarefas a executar eram monótonas.

Acabei por pedir transferência para a cidade de Penafiel, onde fomos recebidos por todos com extrema gentileza.

Emprego garantido, família constituída, ambiente agradável no emprego e fora dele, automóvel à disposição, família da minha mulher por perto ... subsistia, no entanto, no meu espírito uma vaga sensação de incompletude.

Não tardaria preencher definitivamente este singular vazio.

 

O texto já vai longo, continua no próximo capítulo.

 

Antonio Bentinho, Advogado

 

 

COLEGIO DE MONTARIOL, BRAGA

 

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Terminada com sucesso a escola primária, cirandei algum tempo por Lisboa, entretido em trabalhos temporários e mal remunerados.

A minha saudosa Mãe, a minha erudita Madrinha e a minha querida Catequista sempre entenderam que eu deveria continuar os estudos.

Mas o regime do professor Salazar não se ocupava quase nada da instrução dos jovens, bastando-lhes que a população soubesse ler, escrever e fazer contas.

Havia alguns (poucos) liceus espalhados pelo País, a nível distrital, destinados sobretudo aos filhos da burguesia.

Esta grave lacuna foi, em parte, suprida pela Igreja Católica, que criou colégios e seminários menores por todo o País, destinados a educar a juventude na boa moral cristã, nos bons costumes e, também, nas disciplinas próprias daquilo a que antes se chamava “humanidades”.

Aquelas boas senhoras que acabei de mencionar, juntamente com um sábio frade franciscano (Henrique Pinto Rema), conseguiram-me a matrícula no Colégio de Montariol, em Braga, propriedade da Ordem Franciscana.

- Nós estamos aqui para formar pessoas, não padres! – proclamava solenemente o professor de História, também ele sacerdote franciscano.

Um belo dia, mala de cartão aos ombros, nos meus 12/13 anos de idade, lá fui apanhar o comboio à estação de Santa Apolónia, com destino à cidade de Braga, com paragem nas estações de São Bento e de Nine.

Habituado a circular diariamente pelas ruas da capital, ora a pé, ora pendurado nos carros elétricos, não tive qualquer dificuldade no percurso.

- Tome conta do meu filho, se faz favor! – pediu o meu pai a uma freira sentada ao meu lado da carruagem.

Ela não disse sim, nem não, moveu ligeiramente a cabeça.

Mas não me falou em toda a viagem.

Antes livre como um pássaro, tive dificuldade em habituar-me ao internato.

O regime do colégio era espartano: deitar às 10 e levantar às 5,30, de verão e de inverno.

Missa diária na ampla igreja monacal, palestras e exames de consciência todos os dias e aulas de manhã e de tarde, interrompidas por períodos de recreio, nos dois espaços exteriores.

O corpo docente era constituído por frades franciscanos, peritos nas respetivas matérias.

Simples, sóbrios e sábios, brincavam com os alunos durante os recreios e acompanhavam-nos nos passeios semanais, em regra às quintas-feiras.

Habitavam, também eles, no interior do colégio, numa área reservada, e cumpriam escrupulosamente o mesmo regime espartano.

Não auferiam qualquer salário, bastando-lhes, como retribuição do seu árduo labor diário, a expectativa de uma sobre-existência tranquila depois da morte, algures junto do bom Deus.

Três frades tinham sobre si o encargo de vigiar diariamente o comportamento dos jovens alunos, eram os “padres prefeitos”.

- Bom dia, senhor padre perfeito! – atirava-lhes eu.

- Não é perfeito, Bentinho, acudiam eles de imediato.

- É prefeito, perfeito só Deus!

- Está bem, padre perfeito.

Seguidores de Francisco de Assis, cultivavam a perfeita alegria com base na pobreza voluntária, a “santa pobreza” e, para eles, a morte física era, e é, considerada a “irmã morte corporal”.

Um belo dia, andando nós a rezar a “coroa franciscana” numa bela alameda anexa ao Colégio, o padre prefeito aproximou-se de mim e do Barros:

- Vocês estão a ver ali aquele pinheirinho? – perguntou-nos.

- Sim, estamos! – respondemos nós.

- Vedes como ele balança ao sabor do vento, prestes a cair partido? – voltou a indagar.

- Vemos, sim senhor! – replicámos.

- Então quero que vocês arranjem forma de proteger a arvorezinha, para que ela resista aos ventos.

- Como é que vamos fazer isto? – interrogámo-nos os dois.

Perto baloiçava ao vento um belo canavial.

Fomos até lá e cortámos algumas canas.

Afiámos os troncos e espetámos as canas ao redor do pinheirinho, formando uma vedação circular.

Mas o vento forte escapava-se por entre os espaços do caniçal e continuava a fustigar asperamente a copa juvenil do infeliz pinheirinho.

O Padre Prefeito não gostou mesmo nada da engenhoca:

- O que é que vocês fizeram? – perguntou.

- A arvorezinha não está nada melhor – acrescentou.

- Pois não, padre prefeito. Mas olhe que nós fizemos isto muito depressa!

O Padre Prefeito enrugou o sobrolho, fitou-me com ar severo e disse:

- Bentinho, tu, que és lisboeta, conheces bem, por exemplo, o Mosteiro dos Jerónimos. Quando vais visitá-lo, o que é que tu pensas? – perguntou.

- Penso que está bonito – respondi.

- Não, Bentinho, tu observas que está bem feito! – corrigiu.

- Olha, nesta vida, pouco ou nada interessa o tempo que levas a fazer qualquer coisa – acrescentou, em tom professoral.

- O que te interessa, o que nos interessa a todos, é que esteja bem feito! – concluíu.

- Vão, pois, e encontrem outra solução que efetivamente proteja esta pequena árvore – acrescentou, pondo fim à conversa.

A lição gravou-se-me no cérebro, para o resto da vida.

Ainda mais ou menos a este propósito, um jovem aluno lembrou-se, um belo dia, levado por entusiasmo extremo, de decorar todo o dicionário de latim.

O cérebro dele não resistiu, fez exames médicos, foi medicado e, honestamente, não sei se algum dia recuperou.

- Bentinho, nunca faças do teu cérebro um armazém de retém! – aconselhou-me o professor de latim.

Eram assim, os bons frades franciscanos!

Por lá andei cinco anos letivos, aprendendo, ao par do latim, da moral e das boas maneiras, a ser, vida fora,  um cidadão consciente e responsável.

 

 

 

 

 

 

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DESLOCAÇÃO

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Nos finais de 1947 (ou princípios de 1948), meus Pais, Francisco e Olívia, abalaram do Alentejo e rumaram a Lisboa.

Minha Mãe nunca saíra de Santiago do Cacém; mas  o meu Pai já estivera antes em Lisboa, em cumprimento do serviço militar.

Ignoro os motivos que os levaram a deixar as casas e os terrenos paternos.

No entanto, a carestia de vida que sobreveio aos finais da Segunda Guerra Mundial, com senhas de racionamento e aumento generalizado da pobreza, talvez tenha sido uma das razões.

O prof. Salazar, com muita argúcia e elevado engenho, conseguira livrar a Nação Portuguesa dos horrores da Guerra, que terá provocado entre 44 a 45 milhões de mortes, mas não lhe foi possível evitar as inevitáveis consequências sociais.

Não me recordo dos pormenores da viagem de Santiago para Lisboa, para onde vim com os meus Pais e o meu irmão Jacinto.

Lembro apenas da estada numa campanha de colheita da uva: dormíamos todos no chão, com cobertores a proteger o corpo do frio e entre a  enorme algazarra entre os trabalhadores agrícolas, sempre desembaraçados e activos.

Também me lembro de uma monumental diarreia, produto do consumo imoderado das uvas maduras, que me obrigava a acocorar-me por entre as videiras, praticamente a toda a hora, para aliviar os intestinos revoltos e assim acalmar as dores de barriga.

Nada tomei para tratar a maleita, tudo passou com o decurso do tempo.

E, claro, parei com o consumo das uvas, sem ser necessário o conselho fosse de quem fosse.

Os meus Pais, de sol a sol, acompanhavam a faina e eu ficava por ali, entretido entre os cães da fazenda que, por mero instinto, cedo me adoptaram.

Lembro-me também de, no decurso desta monumental viagem, acordar um dia com um agradável bafo quente no rosto.

Abri os olhos e deparei com o focinho amável de uma vaca a olhar atentamente para mim.

Anoitecera no decurso da viagem, provavelmente em parte feita a pé, e, chegada a hora de dormir, os meus Pais pousaram os apetrechos na berma do caminho, à beira de uma vedação de arame farpado, e por ali repousámos.

De manhãzinha, levantou-se um estranho alvoroço na bagagem: minha Mãe sacudiu os tachos e panelas e, de dentro deles, saltaram os ratinhos do campo que, acto contínuo, fugiram em estouvadas correrias para dentro dos tufos de ervas.

Tenho também a vaga ideia de circular dentro de uma velha camioneta de passageiros, que guinchava por tudo o que era sítio e, de quando em vez, fazia soar o cláxon, provavelmente para afastar do percurso algum animal distraído.

Seja como for, sei que fomos todos parar ao Pote de Água, em Lisboa, ali para os lados do Aeroporto, num local que tinha sido, noutros tempos, uma elegante quinta dos Padres Jesuítas, devastada pelo terramoto que, em 1755, destruiu quase toda a cidade.

Os meus Pais, Francisco e Olívia, eram ambos pessoas instruídas e sempre foram honestos e muito trabalhadores.

A minha Mãe entrou logo ao serviço, como cozinheira, na casa de um casal burguês, conhecido de Santiago do Cacém, que vivia na Avenida Elias Garcia, ele oficial do exército e ela dona de casa.

Entrava logo pela manhã e saía já de noite, depois do jantar; o meu Pai, terminada a jorna diária, punha os pés a caminho e ia buscá-la, pois não era aconselhável uma senhora ainda nova andar, de noite, por aqueles caminhos.

O meu Pai, por sua vez, agarrou o que logo lhe apareceu às mãos, a construção civil.

Chegou até a ser encarregado geral numa empresa de obras públicas, mas o gosto pelas saias, o desejo de aventura e alguma pinga à mistura cedo se intrometeram na carreira, que toda a gente augurava de enorme sucesso.

A minha Mãe contava que foi um grande desgosto para Dona Eugénia, a mulher do oficial do exército e irmã do Presidente da Câmara de Lisboa, que se empenhara activamente em obter para o meu Pai aquele lugar de prestígio e muito bem remunerado,  por muitos requisitado.

Pai e Mãe fora de casa, no granjeio diário, eu, ainda miúdo, ficava por ali, entregue aos cuidados da vizinhança.

Circulava livremente por toda aquela grande propriedade rústica e, de entre outras boas experiências, lembro-me de me deitar debaixo da barriga das cabras, espremer-lhes as tetas e beber, directamente do generoso úbere do animal, o leite ainda morno.

O meu Pai sempre gostou da agricultura e dos animais: pelas suas mãos habilidosas construíu uma ampla gaiola de madeira, forrou-a muito bem e instalou dentro dela alguns simpáticos porquinhos da índia.

Eu passava parte do tempo livre a observar os animais e, pondo a mãozinha dentro do recinto, acariciava-lhes o pelo macio.

A casita para onde fomos viver era pequena e precária, terá sido a única que os meus Pais encontraram disponível, na chegada à capital.

A este propósito, a minha Mãe contava-me com frequência o que se passou.

Numa das vezes que ela me levou consigo à Rua da Beneficência, a passar o dia com ela, Dona Eugénia ter-me-á perguntado:

- Toninho, tu gostas mais de viver em Lisboa ou em Santiago?

- Em Santiago, respondi-lhe eu de imediato.

- Porquê?, perguntou a amável senhora, muito surpreendida.

- Porque eu em Santiago tinha casa, respondi, com a serenidade e a espontaneidade próprias das crianças.

Muito impressionada, a amável senhora quis logo saber da boca da minha Mãe, com pormenor, em que condições vivíamos.

Foi quase de imediato expor a situação ao irmão, ao tempo presidente da câmara municipal de lisboa, e, alguns dias volvidos, mudámos de residência para uma nova casa, implantada num bairro onde hoje é o hospital de santa maria.

 

 

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FRANCISCO BENTINHO

 

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Francisco Bentinho (1901-1974), meu Pai, era um homem bonito.

Do signo Virgem (nasceu no dia 3 de Março), era sonhador, cordial, solidário e, sobretudo, sociável.

Completou a instrução primária na Escola de Santiago do Cacém, feito relativamente raro naquela época, em Portugal, onde a grande maioria da população era analfabeta.

Cumpriu serviço militar em Lisboa, onde começou como recruta e acabou como sargento.

Particularmente notável era o seu amor pela leitura: desde criança, sempre vi a nossa casa pejada de livros e de jornais, que ele consumia diariamente.

Sobretudo em resultado das muitas e muito variadas leituras diárias, cedo se transformou numa pessoa letrada e culta.

Alentejano de boa cepa, cultivava as boas maneiras e era um homem de esquerda, muito crítico do regime salazarista, cujos desmandos, sobretudo na área dos direitos humanos, criticava acerbamente.

Eu iniciei o ensino primário na escola do Bairro, exclusiva para rapazes (as raparigas tinham outra escola só para elas, na outra ponta do bairro).

O edifício, com duas salas de aula e uma ampla cantina ao centro, era feito de chapas de lusalite, frio no Inverno e quente no Verão.

Aos primeiros dias de aulas, meu Pai foi chamado à professora primária.

Eu era canhoto, “defeito” imperdoável naquela época, o meu Pai teria de “ensinar-me” a escrever com a mão direita.

Ele levou a tarefa a peito.

Regressado a casa do trabalho diário, sentava-se comigo, ora debaixo da figueira no quintal, ora na sala comum, e, com uma paciência inaudita, dia-após-dia, foi-me “ensinando” a escrever tal-qual mandavam as regras públicas do regime então vigente.

Aproveitou a oportunidade para me ensinar a ler com perfeição, a decorar toda a tabuada, a fazer exercícios de aritmética (contas de somar, de diminuir, de multiplicar e de dividir, com um e mais números), a escrever com a letra direitinha, regularmente encaixada em folhas dos cadernos de duas linhas paralelas e, além disso, a ir lendo os jornais diários e, mais tarde, os livros que enriqueciam a sua biblioteca caseira.

Rapidamente me tornei o melhor aluno da turma e, pouco depois, de toda a escola primária, sempre rápido e exacto em todos os exercícios e sempre de zero erro em todos os ditados.

As sementes que ele plantou em mim rapidamente se transformaram numa árvore frondosa: fui sempre o melhor aluno no Colégio de Montariol, em Braga, e o melhor aluno do Curso de Direito, na Faculdade, em Lisboa.

Quer eu, quer os meus dez irmãos, seguindo quase involuntariamente o exemplo do nosso Pai, transformámo-nos em ávidos leitores de livros, revistas e jornais, nacionais e estrangeiros.

A este título, gosto de citar sempre o exemplo da minha irmã mais velha, Maria da Graça, que também fez a instrução primária em Santiago do Cacém.

Ela é, de todos, seguramente, a pessoa que mais tem lido em toda a sua vida: a sua casa é uma autêntica biblioteca, constantemente renovada.

Esteve muitos anos emigrada em Paris, como governante, numa casa da alta burguesia francesa.

Frequentava regularmente, acompanhada dos seus idosos patrões, os salões da classe alta de França.

Nas frequentes tertúlias nos salões da alta roda parisiense e nos regulares convívios da alta classe francesa nos resorts de luxo, a portuguesa Graça Bentinho acompanhava sempre aquela boa gente nas animadas conversas, propiciadas pelo doce far niente de idosos ricos e famosos.

- Como é que você, Grace, que é portuguesa, sabe mais da história francesa do que nós, franceses? – perguntavam-lhe, intrigados e divertidos.

Graça Bentinho meneava-se e respondia-lhes com um largo sorriso, próprio de quem sente e sabe que era muito genuína a estupefacção de todos eles.

Afinal, também neste caso, sinais da herança nela deixada pelo Pai, Francisco Bentinho.

 

 

 

 

 

 

 

 

OS PIRÓMANOS E OS OUTROS

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Chegou o Verão.

Vieram de imediato os inevitáveis incêndios.

Os Governantes suspenderam as viagens ao  estrangeiro.

Supostamente para apagar os "ditos".

Mas... de fato e gravata?!...

Falaram, é verdade.

E voltaram a falar, com a comunicação social a quebrar o silêncio.

No entretanto, as labaredas progridem.

Os ditos Governantes, de mangueira nas mãos, a combater os fogos?!...

Nah!...

Doutor e/ou Professor que se preze não desce assim a terreiro.

Ainda se fosse para salgar os genitais aí numa poça qualquer!...

O Povo gaba-lhes a retórica.

E, entredentes, ri-se destas irrelevantes gravatas.

É o País que temos, pois então!!!

 

SIC TRANSIT GLORIA MUNDI

 

 

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Ele é algo comediante, mas competente.

Amigo da paródia, mas inteligente.

Irreverente, mas douto.

Esgrouviado, mas simpático.

Primeiro-Ministro de um dos Países mais poderosos do Planeta.

Solidário com aqueles que sofrem os horrores da guerra.

O "pessoal" do Partido dele "escandalizou-se" com umas festinhas inócuas e caseiras.

Alegadamente, porque estávamos todos "confinados" à pala do covid.

Falsamente irritados, abandonaram o "barco".

Às dezenas, sem apelo nem agravo.

A contragosto, apresentou ao País a demissão do cargo de Primeiro Ministro.

"O melhor emprego do mundo", disse com sinceridade magoada.

Virá seguramente outro substituí-lo.

Provavelmente melhor do que ele.

E também provavelmente pior do que ele.

Perdemos todos um Primenro Ministro patusco, honesto e competente.

"Sic transit gloria mundi".

 

PATRÃO FORA ... FERIADO NA LOJA

PATRÃO FORA… FERIADO NA LOJA

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Nestes últimos dias, têm surgido múltiplas vozes públicas, denunciando factos notórios, a saber: a contínua ausência de responsáveis políticos no estrangeiro e a consequente indiferença daqueles que ficam por cá, em evidente contragosto.

Na realidade, quer o Senhor Presidente da República, quer o Senhor Primeiro Ministro, acompanhados sempre de equipas da comunicação social, são quase todos os dias vistos em Países Estrangeiros, aonde se deslocam aparentemente por nobres motivos.

Já lembram até, salvo o devido respeito, o anterior exemplo do Senhor Engenheiro Guterres, que, enquanto Primeiro Ministro, passava a maior parte dos dias no Estrangeiro.

Todos sabemos o que aconteceu ao Senhor Engenheiro Guterres: abandonou o cargo de Primeiro Ministro e partiu para o Estrangeiro, onde ainda se encontra.

As pessoas lembram-se também do que aconteceu depois ao Senhor Doutor Durão Barroso: nisto imitando o seu antecessor, deixou nas mãos de um distinto Companheiro de Partido a cadeira de Primeiro Ministro e voou para o Estrangeiro, assim fugindo definitivamente do pequeno “País de Tanga”.

Por isso, as vozes que actualmente se ouvem por aí já vão alvitrando que o actual Senhor Primeiro Ministro, à semelhança dos seus doutos Antecessores, estará por ora a preparar um lugar de prestígio lá fora, assim deixando esta monumental “chatice” que é governar um País onde quase ninguém se entende.

O futuro dirá quem tem razão.

E… salvo melhor opinão, o País continua … adiado.

AEROPORTOS - O PARTO QUASE IMPOSSÍVEL

Desde pelo menos o mês de Março de 1969 (há 52 anos!!!) que os sucessivos governos de Portugal "estudam" a criação de um novo aeroporto!

Só em "estudos", o Orçamento do Estado já despendeu pelo menos 71.000.000,00 (setenta e um milhões) de euros.

No entretanto, construíu-se um aeroporto "fantoche" em Beja, que custou ao erário público 33.000.000,00 (trinta e três milhões) de euros.

Em Beja, está de facto um aeroporto novinho em folha.

Só para inglês ver.

Não aterra lá qualquer avião!!!

No decurso destes 52 anos de negligente indecisão dos poderes públicos, já foram apontadas pelo menos 4 (quatro!) localidades para a implantação de um novo aeroporto, a saber: Ota, Sintra, Montijo e Alcochete.

Nos últimos dias, o Governo actual apontou para o Montijo.

Irá ser, ao que parece, um aeroporto "auxiliar", precário e temporário.

Mas irá custar, segundo diz quem sabe, a mirabolante quantia de600.000.000 ( seiscentos) milhões de euros!!!

Um Ministro, ousado e despachado, decretou que, afinal, a opção do Estado Português é a localidade do Montijo, na margem sul do Rio Tejo.

Mas, espantem-se todos!!!, o Senhor Primeiro Ministro, Sr. Dr. António Costa, mal soube da decisão dramática do Senhor Ministro, apressou-se a revogar o despacho ministerial.

Alegando, segundo parece, que, nesta delicada "coisa" de aeroportos, "é necessário consenso".

Voltamos, pois, alegremente, à estaca zero!

Até que as companhias de aviação se cansem de toda esta grotesca trapalhada e optem por aterrar as suas aeronaves na vizinha Espanha.